Esta noite o ônibus em que eu estava foi assaltado. De mim,
levaram algo caro. É o segundo roubo à mão armada que
presencio. O primeiro há alguns anos, quando três adolescentes com um revólver fizeram a limpa no caixa do coletivo. Dessa vez, foi um casal, munido de uma faca ordinária.
Saíram insatisfeitos, com um punhado de moedas e passagens, mas sem causar
maiores transtornos (sic). Já o cobrador não teve a mesma sorte de “principiante”
que eu. Este foi o 16º assalto que sofreu. Isso mesmo, com todas as letras: o
dé-ci-mo sex-to! Aí se deu o crime que me atingiu.
Pude ficar impassível durante os minutos em que a dupla se
amontoava sobre os meus joelhos exigindo “as notas” (para dar mais emoção à
vida eu estava sentada no banco imediatamente anterior à catraca). Também
consegui dizer com o tom mais reconfortante que consigo para que o experiente
assaltado respirasse fundo, enquanto ele chacoalhava como vara verde em dia de
minuano. E até relatar com tranquilidade as poucas características físicas dos
assaltantes que consegui registrar. Mas quando eu ouvi o cobrador dizer, entre
um risinho nervoso que, com este, eram 16 os assaltos de que foi vítima, toda a
minha raiva, indignação e sentimento de impotência vieram à tona.
Eu fui violentada. Mas a violência não foi cometida apenas
por um casal de delinquentes de meia tigela. Eu e todos os que estavam no ônibus fomos
vítimas da omissão do poder público, para dizer o mínimo. “Falta de segurança”
é demasiado abstrato e brando para definir a situação. É impossível aceitar esses
roubos como rotineiros, chegando ao cúmulo dos profissionais tornarem-se
fregueses dos mesmos ladrões – não porque os trabalhadores sejam obtusos, mas
porque os “meliantes” se qualificam. É inadmissível que os usuários do transporte
público paguem caro por um sistema ineficiente e ainda se submetam a ficarem
vulneráveis a situações de violência. Ou então, restritos a transitar apenas em
horários (por enquanto) tidos como mais seguros.
Francamente, não consigo deixar de considerar que as empresas
concessionárias, o Município e a Justiça são coniventes com a situação. Apenas
para ficar no fato concreto e abordar uma alternativa simples para reduzir a
ocorrência de casos como este: é de conhecimento público que a comunidade e os
operários do transporte público urbano há anos reivindicam a implantação da
bilhetagem eletrônica. O sistema obviamente diminuiria, e muito, o fluxo de
dinheiro e passagens (que facilmente são transformadas em moeda corrente). Hoje
uma pendenga judicial emperra a implantação da tecnologia em Passo Fundo. E por
quê? Entidades apontam irregularidades na contratação do serviço de bilhetagem
e na concessão das linhas à iniciativa privada.
Não tenho subsídios para dizer se o trâmite é legal ou não,
só a Justiça pode fazê-lo. Mas de uma coisa tenho certeza, todos estão errados.
Se houvesse vontade política ou respeito por parte da iniciativa privada, um
trabalhador não teria vivenciado por 16 vezes a mesma situação. Você, que lê
nos jornais, pode já estar habituado a notícias assim e ficar feliz pela perda
ser apenas material, mas o cobrador mesmo calejado no rito de esvaziar o caixa
não consegue ficar imune ao pânico, ao medo, à humilhação. Além disso, como
qualquer cidadão, eu também tenho o direito de percorrer os cerca de cinco quilômetros
que separam a minha casa do lugar onde trabalho em segurança, usando o meio de
transporte que me é acessível e que deveria ser priorizado em uma cidade com excesso
de carros e escassez de vias alternativas.
Não, o problema não é a impunidade. Não é o consumo de
drogas. Não é distribuição de renda. Não é a falta de oportunidades. Não é a
ausência de planejamento ou a desvalorização do transporte público. Estes são
apenas alguns sintomas. O problema é o que não temos feito até hoje. O
problema é que precisei ouvir o desabafo despretensioso de um cobrador pra me encolerizar.
O problema é que a maioria dos políticos, juízes e empresários não se preocupam
com quem os sustenta (e claro, não andam de ônibus. Não em Passo Fundo). Não.
Na verdade, esse também não é “O” problema. O problema é não perceber. Não
falar. Não discutir. Não agir. Mas você –
ainda que não utilize ônibus, talvez tenha consciência e ou a mais simplória
solidariedade – certamente vota e, provavelmente, usa as redes sociais para se
expressar. Portanto, meu caro, escolha bem a quem tutela o poder sobre a sua
vida e as “causas” pelas quais de indigna e virtualmente grita. Continuemos
indo às ruas pelos direitos dos animais, mas que também exista comoção pelos direitos
dos humanos. Mesmo para os não tão semelhantes à você.
Um comentário:
Excelente texto Amanda, com certeza deve publicar no Jornal, isso se eles permitirem na íntegra... Abraço e se cuide tá..
Postar um comentário