terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Assalto à linha 20

Esta noite o ônibus em que eu estava foi assaltado. De mim, levaram algo caro. É o segundo roubo à mão armada que presencio. O primeiro há alguns anos, quando três adolescentes com um revólver fizeram a limpa no caixa do coletivo. Dessa vez, foi um casal, munido de uma faca ordinária. Saíram insatisfeitos, com um punhado de moedas e passagens, mas sem causar maiores transtornos (sic). Já o cobrador não teve a mesma sorte de “principiante” que eu. Este foi o 16º assalto que sofreu. Isso mesmo, com todas as letras: o dé-ci-mo sex-to! Aí se deu o crime que me atingiu.

Pude ficar impassível durante os minutos em que a dupla se amontoava sobre os meus joelhos exigindo “as notas” (para dar mais emoção à vida eu estava sentada no banco imediatamente anterior à catraca). Também consegui dizer com o tom mais reconfortante que consigo para que o experiente assaltado respirasse fundo, enquanto ele chacoalhava como vara verde em dia de minuano. E até relatar com tranquilidade as poucas características físicas dos assaltantes que consegui registrar. Mas quando eu ouvi o cobrador dizer, entre um risinho nervoso que, com este, eram 16 os assaltos de que foi vítima, toda a minha raiva, indignação e sentimento de impotência vieram à tona.

Eu fui violentada. Mas a violência não foi cometida apenas por um casal de delinquentes de meia tigela.  Eu e todos os que estavam no ônibus fomos vítimas da omissão do poder público, para dizer o mínimo. “Falta de segurança” é demasiado abstrato e brando para definir a situação. É impossível aceitar esses roubos como rotineiros, chegando ao cúmulo dos profissionais tornarem-se fregueses dos mesmos ladrões – não porque os trabalhadores sejam obtusos, mas porque os “meliantes” se qualificam. É inadmissível que os usuários do transporte público paguem caro por um sistema ineficiente e ainda se submetam a ficarem vulneráveis a situações de violência. Ou então, restritos a transitar apenas em horários (por enquanto) tidos como mais seguros.

Francamente, não consigo deixar de considerar que as empresas concessionárias, o Município e a Justiça são coniventes com a situação. Apenas para ficar no fato concreto e abordar uma alternativa simples para reduzir a ocorrência de casos como este: é de conhecimento público que a comunidade e os operários do transporte público urbano há anos reivindicam a implantação da bilhetagem eletrônica. O sistema obviamente diminuiria, e muito, o fluxo de dinheiro e passagens (que facilmente são transformadas em moeda corrente). Hoje uma pendenga judicial emperra a implantação da tecnologia em Passo Fundo. E por quê? Entidades apontam irregularidades na contratação do serviço de bilhetagem e na concessão das linhas à iniciativa privada.

Não tenho subsídios para dizer se o trâmite é legal ou não, só a Justiça pode fazê-lo. Mas de uma coisa tenho certeza, todos estão errados. Se houvesse vontade política ou respeito por parte da iniciativa privada, um trabalhador não teria vivenciado por 16 vezes a mesma situação. Você, que lê nos jornais, pode já estar habituado a notícias assim e ficar feliz pela perda ser apenas material, mas o cobrador mesmo calejado no rito de esvaziar o caixa não consegue ficar imune ao pânico, ao medo, à humilhação. Além disso, como qualquer cidadão, eu também tenho o direito de percorrer os cerca de cinco quilômetros que separam a minha casa do lugar onde trabalho em segurança, usando o meio de transporte que me é acessível e que deveria ser priorizado em uma cidade com excesso de carros e escassez de vias alternativas.

Não, o problema não é a impunidade. Não é o consumo de drogas. Não é distribuição de renda. Não é a falta de oportunidades. Não é a ausência de planejamento ou a desvalorização do transporte público. Estes são apenas alguns sintomas. O problema é o que não temos feito até hoje. O problema é que precisei ouvir o desabafo despretensioso de um cobrador pra me encolerizar. O problema é que a maioria dos políticos, juízes e empresários não se preocupam com quem os sustenta (e claro, não andam de ônibus. Não em Passo Fundo). Não. Na verdade, esse também não é “O” problema. O problema é não perceber. Não falar. Não discutir. Não agir.  Mas você – ainda que não utilize ônibus, talvez tenha consciência e ou a mais simplória solidariedade – certamente vota e, provavelmente, usa as redes sociais para se expressar. Portanto, meu caro, escolha bem a quem tutela o poder sobre a sua vida e as “causas” pelas quais de indigna e virtualmente grita. Continuemos indo às ruas pelos direitos dos animais, mas que também exista comoção pelos direitos dos humanos. Mesmo para os não tão semelhantes à você.

Um comentário:

Eduardo disse...

Excelente texto Amanda, com certeza deve publicar no Jornal, isso se eles permitirem na íntegra... Abraço e se cuide tá..