sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

das cartas não enviadas/2015

[para Guilherme, nego amado desde aquele sarau esquisito]
                                

eu já disse a você da ideia de nos juntarmos todos e viver em aldeia. dói ter amores espalhados pelo mundo. eu queria tocá-los. 

ocupação eu teria muita, se quisesse. mas, o que eu queria era virar a noite falando da vida que sonhamos e nunca vivemos. queria alcançar a claridade da manhã cantando sambas tristes (como já fizemos noutro tempo). dá saudade até o gosto industrializado do teu Nescafé batido no liquidificador com açúcar. dos teus discos pirateados em casa enchendo as caixas.

tantas vezes tu esperou o ônibus comigo, já frio, já fim da noite. e quantas eu perdi o ônibus de propósito pra esticar a prosa e a caminhada sem propósito.

como se chama quem divide as esperas conosco?

tu já esteve comigo em tantas conversas imaginárias, já sonhei tantas coisas pra nós. sonhos. faz tempo que não lembro dos meus.

tu viu a lua ontem? eu falava com um outro amor à distância, enquanto olhava pra ela. ele também. nesta hora entendi que estávamos juntos. 

quando tu me escreveu contando do cortiço e da faixa de gaza sudamericana também percebi que estava contigo.

no céu, eu só reconheço as três marias e o cruzeiro do sul.

tu sabe que eu me sinto cercada de um monte de amigos, mas no céu eu só reconheço as três marias e o cruzeiro do sul.

faz meses que a torneira da cozinha pinga.

tem um monte de gente que me escorre. é difícil administrar muitos afetos.

tu quer morar em uma aldeia?
enquanto pensa, olha a lua.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

...em CWB




(Terminal Campo Comprido para aula com Cristiano Mascaro. Mais em http://amandascharr.wordpress.com/)



Os curitibanos precisam de abraços
Tato, pele,
um cheiro
Uma música
cantarolada no elevador
Uma cor
assim
Por favor,
não é só em SP
que não existe amor
(e não foi eu,
mas o poeta daqui quem falou)

Os curitibitas e suas magrelas
Pedalando em linha reta
Precisam é sair da linha
– entrar na minha
(Por que não...)

Eu peço informação
quando não preciso
só pra ouvir.

É muito silêncio
É muito silêncio
É muito silêncio
O biarticulado passa zunindo
e é o único
que conversa comigo

É engraçado
que
o mais bonito
é a sonoridade
dos lugares
daqui
Mossunguê
Barigui
Bigorrilho
Batel
e
Mercês
Mas eles
preferem
francês
inglês
(com Soho, talvez)
pra rebatizar a geografia

Cidade geométrica
Escassez de caos
talvez
Poema concreto
– não foi à toa
que o Décio
viveu aqui –
te peço,
uma rima
imprevista
verso livre
com pé
Picasso
praça cheia
paixão.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Missiva

                                                                   [para a amiga e musa Fernanda Canofre]

Em que pese, a tese
não faz mais sentido que um verão
ou que um Natal caminhando
sobre um campo de concentração

Nem você, nem a sensatez
tem endereço fixado.
Lucidez não se vende fiado
e a sanidade, de fato,
não nos pertence

Somos artistas circenses
Revolucionários de corrente dissidentes
com malas de mão e sacolas.
Na bagagem mea culpa 
de confessionário non sense

Take your way, meu bem
e me escreva de qualquer território.
Eu guardo os bilhetes de Paris
e lembre-se de na Áustria
beber um chá com a imperatriz

Enquanto isso, pequena
Um disco de amor
vou compor pra dizer que toda a
vida valeu a pena.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Assalto à linha 20

Esta noite o ônibus em que eu estava foi assaltado. De mim, levaram algo caro. É o segundo roubo à mão armada que presencio. O primeiro há alguns anos, quando três adolescentes com um revólver fizeram a limpa no caixa do coletivo. Dessa vez, foi um casal, munido de uma faca ordinária. Saíram insatisfeitos, com um punhado de moedas e passagens, mas sem causar maiores transtornos (sic). Já o cobrador não teve a mesma sorte de “principiante” que eu. Este foi o 16º assalto que sofreu. Isso mesmo, com todas as letras: o dé-ci-mo sex-to! Aí se deu o crime que me atingiu.

Pude ficar impassível durante os minutos em que a dupla se amontoava sobre os meus joelhos exigindo “as notas” (para dar mais emoção à vida eu estava sentada no banco imediatamente anterior à catraca). Também consegui dizer com o tom mais reconfortante que consigo para que o experiente assaltado respirasse fundo, enquanto ele chacoalhava como vara verde em dia de minuano. E até relatar com tranquilidade as poucas características físicas dos assaltantes que consegui registrar. Mas quando eu ouvi o cobrador dizer, entre um risinho nervoso que, com este, eram 16 os assaltos de que foi vítima, toda a minha raiva, indignação e sentimento de impotência vieram à tona.

Eu fui violentada. Mas a violência não foi cometida apenas por um casal de delinquentes de meia tigela.  Eu e todos os que estavam no ônibus fomos vítimas da omissão do poder público, para dizer o mínimo. “Falta de segurança” é demasiado abstrato e brando para definir a situação. É impossível aceitar esses roubos como rotineiros, chegando ao cúmulo dos profissionais tornarem-se fregueses dos mesmos ladrões – não porque os trabalhadores sejam obtusos, mas porque os “meliantes” se qualificam. É inadmissível que os usuários do transporte público paguem caro por um sistema ineficiente e ainda se submetam a ficarem vulneráveis a situações de violência. Ou então, restritos a transitar apenas em horários (por enquanto) tidos como mais seguros.

Francamente, não consigo deixar de considerar que as empresas concessionárias, o Município e a Justiça são coniventes com a situação. Apenas para ficar no fato concreto e abordar uma alternativa simples para reduzir a ocorrência de casos como este: é de conhecimento público que a comunidade e os operários do transporte público urbano há anos reivindicam a implantação da bilhetagem eletrônica. O sistema obviamente diminuiria, e muito, o fluxo de dinheiro e passagens (que facilmente são transformadas em moeda corrente). Hoje uma pendenga judicial emperra a implantação da tecnologia em Passo Fundo. E por quê? Entidades apontam irregularidades na contratação do serviço de bilhetagem e na concessão das linhas à iniciativa privada.

Não tenho subsídios para dizer se o trâmite é legal ou não, só a Justiça pode fazê-lo. Mas de uma coisa tenho certeza, todos estão errados. Se houvesse vontade política ou respeito por parte da iniciativa privada, um trabalhador não teria vivenciado por 16 vezes a mesma situação. Você, que lê nos jornais, pode já estar habituado a notícias assim e ficar feliz pela perda ser apenas material, mas o cobrador mesmo calejado no rito de esvaziar o caixa não consegue ficar imune ao pânico, ao medo, à humilhação. Além disso, como qualquer cidadão, eu também tenho o direito de percorrer os cerca de cinco quilômetros que separam a minha casa do lugar onde trabalho em segurança, usando o meio de transporte que me é acessível e que deveria ser priorizado em uma cidade com excesso de carros e escassez de vias alternativas.

Não, o problema não é a impunidade. Não é o consumo de drogas. Não é distribuição de renda. Não é a falta de oportunidades. Não é a ausência de planejamento ou a desvalorização do transporte público. Estes são apenas alguns sintomas. O problema é o que não temos feito até hoje. O problema é que precisei ouvir o desabafo despretensioso de um cobrador pra me encolerizar. O problema é que a maioria dos políticos, juízes e empresários não se preocupam com quem os sustenta (e claro, não andam de ônibus. Não em Passo Fundo). Não. Na verdade, esse também não é “O” problema. O problema é não perceber. Não falar. Não discutir. Não agir.  Mas você – ainda que não utilize ônibus, talvez tenha consciência e ou a mais simplória solidariedade – certamente vota e, provavelmente, usa as redes sociais para se expressar. Portanto, meu caro, escolha bem a quem tutela o poder sobre a sua vida e as “causas” pelas quais de indigna e virtualmente grita. Continuemos indo às ruas pelos direitos dos animais, mas que também exista comoção pelos direitos dos humanos. Mesmo para os não tão semelhantes à você.

domingo, 30 de outubro de 2011

Transfusão de tinta

Mil,
são números mortos
que não reclamam em jornais.
Mortos,
são um sem número
de gentes sem nome,
estatísticas funerais.

Anônima dor.
Homônima dor.
A nome da dor de alguém
a tragédia rendeu notícia,
mas não coube na manchete.

Foram fatos que não meus
Foram corpos como o meu
Repetidos todos os dias.
Esquecidos depois do café.

Mas eu vi,
tava ali mais um corpo
Estendido no chão.
Jorrando palavras
Pra estancar à mata-borrão.


Por Amanda SchArr

segunda-feira, 20 de junho de 2011

De cordões gastos





Todos passam, esperam
de canto, disfarçam.
Que fique bem quieta, 
calada no olho
da rua.
Que seja discreta,
serene sua derrota
desista de qualquer disputa.
Eles não sabem
um terço,
não há oponente algum.
Se tomba
foi tropeço
nos cadarços gastos
dos próprios sapatos.

Amanda SchArr

domingo, 24 de abril de 2011

autossabotagem

O inimigo
não mora ao lado.
Está aí,
das vísceras jorra
o líquido que corrói
dentro de ti.



Amanda SchArr

terça-feira, 22 de março de 2011

domingo, 13 de março de 2011

Relativismo

Quero um afeto
sereno, calmo, discreto.
Eu quero um sentimento seleto
Contra capas, cópias e panfletos.
Inclusive, quando eu quero um tipo incorreto
Pra calar os caretas, pra tocar os cometas
e sair da mesa à francesa.

Eu quero,
o que não é muito certo.
Um flerte, sem dramas
papo, banho e cama
(coisa anti-manchete,
excesso, enxerto, chacrete)
Com presença por perto...
Eu quero um querer completo.


quarta-feira, 9 de março de 2011

A referência (e reverência)

"La vie en close" é o título de um livro do Leminski, uma brincadeira com o "la vie en rose" dos franceses que usam a expressão (numa explicação tosca) para dizer que estão vendo a vida por lentes rosas, enxergando o bom das coisas.
O curitibano bigodudo e transgressor fala por si, ou com seus escritos, como queiram (e explicações são um porre). O negócio que eu ia dizer que o título deste indistinto espaço digital foi inspirado nele e nas possíveis leitura do "la vie en close". Basta, aí está o tal e seus versos: 






OUVERTURE LA VIE EN CLOSE


em latim
“porta” se diz “janua”
e “janela” se diz “fenestra”

a palavra “fenestra”
não veio para o português
mas veio o diminutivo de “janua”,
“januela”, “portinha”,
que deu nossa “janela”
“fenestra” veio
mas não como esse ponto da casa
que olha o mundo lá fora,
de “fenestra”, veio “fresta”,
o que é coisa bem diversa


já em inglês
“janela” se diz “window”
porque por ela entra
o vento (“wind”) frio do norte
a menos que a fechemos
como quem abre
o grande dicionário etimológico
dos espaços interiores


segunda-feira, 7 de março de 2011

folia na carne

me diga. me grita. me liga. ontem eu perdi um amigo e não havia ninguém para apertar a minha mão e apartar a sensação de um pedaço da minha vida desfalecido. um dos melhores pedaços. de risadas fáceis, conversas tontas, companhias boas.
um ano mais novo que eu e alguns de distância de convivência, mas ele 15 anos mais de felicidade e de facilidade de levar a vida. é assim. em pleno carnaval se perde um bufão.
agora, me leva embora. alguém me iluda e diga "baby, a vida pode doer menos. que mania insana a sua de alcançar os extremos".


sábado, 5 de março de 2011

Relógio de Dalí (pra rir)

Ficou relógio sem corda,
sem pilha.
Ponteiro que não caminha,
apenas decora.
Assim como ela,
que enfeitou a apatia.
Foi movimento demais
pra tamanha monotonia.

De quem guarda quadros
sem pendurar
Emoldura imagens
que não vai lembrar
Faz compra às sete
guarda o carro às onze
e vai descansar longe do mundo.
Não se contamina
com o que não pode
controlar.

A menina não sabe
o que será. Escolheu
o inusitado e ele entendeu como
"ao Deus dará".
Não coleciona quadros,
nem figurinhas, nem rancores.
Não queima fumo, não come congelados, não ouve os mais tocados
nem bate ponto com moralistas e acostumados.
Nem discrimina os desclassificados
(Ou classifica os não enquadrados).
                       ...

O relógio está na parede
sem nunca ter feito
Tic tac.



Amanda SchArr

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

To be happy, or not to be



A tristeza está com dias contados. Como os fumadores de ópio do século XVI ou os indígenas ameríndios no século XV já sabiam, os cientistas de agora vaticinam: tudo é questão de química. Ou melhor, de uma falha bioquímica. Sem pretensão de entrar no terreno pantanoso das patologias psíquicas, falo aqui de uma tristeza modesta, inofensiva aos alheios. Da melancolia, essa tristeza branda que não sai às compras.

O fato é que aquilo que certa vez chamavam ‘traços de personalidade’, agora se resume a uma falha genética que faz com que os neurônios não produzam determinada substância e blá, blá, blá, blá, blá. Ou seja, amigo, não bastasse sua inteligência medíocre agora você é também defeituoso. (Mas calma, não fique assim borocochô, aceite um prozac como paliativo).

Logo, o que não funciona precisa ser consertado. Resigne-se, a tristeza assim como os olhos castanhos, a baixa estatura, o acúmulo de gordura, o nariz grande, o baixo QI, a calvície, etc, tudo será eliminado. Você que, como eu, padece de todos estes terríveis males acostume-se com a idéia de ser um animal em extinção. O futuro será bronzeado, com vasta cabeleira, dentes perfeitos, olhos claros, barriga tanquinho, QI 130 e... claro, insuportavelmente feliz! A engenharia genética irá permitir aos pais, que construam milimetricamente seus rebentos. Os zelosos progenitores escolherão o melhor para seus herdeiros e, assim como pais de infância pobre dão aos filhos tudo que lhe foi renegado, escolherão os genes mais preciosos de presente aos seus sucessores.

Paro os netos desta geração 2000, a tristeza vai ser apenas uma lembrança remota, tal qual um nome de rua em bairro de boêmia antiga. Ensimesmado, lânguido, taciturno, soturno, melancólico... serão palavras definitivamente em desuso, vocábulos que perderão o significado.

Pior: o que será da música?! A dor de cotovelo, a saudade... sempre renderam muitas canções. Mas é de se notar, que até no vasto repertório brega-pop dos ônibus, nem os previsíveis (pseudo)sertanejos emplacam mais seus outrora tradicionais versos de dor-de-corno. A nova onda tem algo de um revanchismo barato, quase eufórico, que não chora pelo amor perdido, mas avisa que a fila já andou e de danem-se o sentimentalismos. Aqui, eu ouço um Nelson Gonçalves e penso que o velho boêmio não prosperaria nos dias de hoje.

Não há mais espaço para lamentações, honey. É preciso rir para sair bem na foto. Mas se você que já está aí, nascido errado, e não consegue por na cara essa alegria de comercial-de-margarina-com-pasta-de-dente, nem agüentar esse carnaval 365 dias sem quarta-feira de cinzas, a farmacologia e a cirurgia estética (não há face que um bisturi e umas aplicações de botox não possam deixar permanentemente em sorriso) estão aí para ajudar. Agora, se o caso for agravado pelo bolso vazio é preciso se contentar (rárárrrá). De consolo sugiro usar, ao acordar amanhã, as palavras de Vinicius pra dizer:

Bom dia, tristeza 
Que tarde, tristeza 
Você veio hoje me ver 
Já estava ficando 
Até meio triste 
De estar tanto tempo 
Longe de você


*Originalmente publicado pelo site CAIXA ALTA

sábado, 19 de fevereiro de 2011

O melhor de nós



Olha só,
de sinceridade se faz esse
confessionário de quem 
não pode deixar de ser


Porque eu canto e danço na rua 
e sei, que sing in the rain
seria lindo pra dois debaixo do mesmo guarda-chuva
mas a minha controvérsia 
não caberia no teu apartamento sem quintal


e se eu te conto não é por mal,
mas nessa loucura abissal
não se prende um desigual


Estranho amigo,
tenha raiva não,
mas a barra pesada
dessa rodada saia
só eu vou girar.


Vamos lá, 
nas entradas e saídas
note as outras pernas
de moças de vidas diversas
que pisam em mais chão
And I say
It's all right

A noite já foi,
mas aqui vem o sol.
Não há o que falte, 
somos o melhor de nós.




Amanda SchArr

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Feridas e calos

Das feridas
comeu as cascas
sorveu do sangue.
Transmutou em cor,
liquefez sua dor em tintas

Mesmo assim,
não se pintou para a guerra.
Vestiu-se de índia,
trajou-se de madre.
Fundiu-se com a terra de sua Coyoacán.

Da coluna quebrada
da vida partida
do amor em pedaços
Comeu com fartura,
convieu com o colapso.

Da violência da vida
fez remédio contra a apatia da morte.
Seu corpo
seu templo em pedaços.
Seu espaço de penitência,
sua transgressão mais densa.

Pata de palo,
minha querida Frida,
se tudo termina com uma melancia,
só resta repetir
Viva TU vida!




Amanda SchArr