segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

To be happy, or not to be



A tristeza está com dias contados. Como os fumadores de ópio do século XVI ou os indígenas ameríndios no século XV já sabiam, os cientistas de agora vaticinam: tudo é questão de química. Ou melhor, de uma falha bioquímica. Sem pretensão de entrar no terreno pantanoso das patologias psíquicas, falo aqui de uma tristeza modesta, inofensiva aos alheios. Da melancolia, essa tristeza branda que não sai às compras.

O fato é que aquilo que certa vez chamavam ‘traços de personalidade’, agora se resume a uma falha genética que faz com que os neurônios não produzam determinada substância e blá, blá, blá, blá, blá. Ou seja, amigo, não bastasse sua inteligência medíocre agora você é também defeituoso. (Mas calma, não fique assim borocochô, aceite um prozac como paliativo).

Logo, o que não funciona precisa ser consertado. Resigne-se, a tristeza assim como os olhos castanhos, a baixa estatura, o acúmulo de gordura, o nariz grande, o baixo QI, a calvície, etc, tudo será eliminado. Você que, como eu, padece de todos estes terríveis males acostume-se com a idéia de ser um animal em extinção. O futuro será bronzeado, com vasta cabeleira, dentes perfeitos, olhos claros, barriga tanquinho, QI 130 e... claro, insuportavelmente feliz! A engenharia genética irá permitir aos pais, que construam milimetricamente seus rebentos. Os zelosos progenitores escolherão o melhor para seus herdeiros e, assim como pais de infância pobre dão aos filhos tudo que lhe foi renegado, escolherão os genes mais preciosos de presente aos seus sucessores.

Paro os netos desta geração 2000, a tristeza vai ser apenas uma lembrança remota, tal qual um nome de rua em bairro de boêmia antiga. Ensimesmado, lânguido, taciturno, soturno, melancólico... serão palavras definitivamente em desuso, vocábulos que perderão o significado.

Pior: o que será da música?! A dor de cotovelo, a saudade... sempre renderam muitas canções. Mas é de se notar, que até no vasto repertório brega-pop dos ônibus, nem os previsíveis (pseudo)sertanejos emplacam mais seus outrora tradicionais versos de dor-de-corno. A nova onda tem algo de um revanchismo barato, quase eufórico, que não chora pelo amor perdido, mas avisa que a fila já andou e de danem-se o sentimentalismos. Aqui, eu ouço um Nelson Gonçalves e penso que o velho boêmio não prosperaria nos dias de hoje.

Não há mais espaço para lamentações, honey. É preciso rir para sair bem na foto. Mas se você que já está aí, nascido errado, e não consegue por na cara essa alegria de comercial-de-margarina-com-pasta-de-dente, nem agüentar esse carnaval 365 dias sem quarta-feira de cinzas, a farmacologia e a cirurgia estética (não há face que um bisturi e umas aplicações de botox não possam deixar permanentemente em sorriso) estão aí para ajudar. Agora, se o caso for agravado pelo bolso vazio é preciso se contentar (rárárrrá). De consolo sugiro usar, ao acordar amanhã, as palavras de Vinicius pra dizer:

Bom dia, tristeza 
Que tarde, tristeza 
Você veio hoje me ver 
Já estava ficando 
Até meio triste 
De estar tanto tempo 
Longe de você


*Originalmente publicado pelo site CAIXA ALTA

2 comentários:

Adriana Gehlen disse...

É isso aí.

Mariana Ceratti. disse...

Esse post lembrou muito o filme Gattaca. Os "válidos" e os "Não-válidos".